ATA DA DÉCIMA QUINTA SESSÃO SOLENE DA QUARTA SESSÃO LEGISLATI­VA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 26.05.1992.

 


Aos vinte e seis dias do mês de maio do ano de mil novecentos e noventa e dois reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Quinta Sessão Solene da Quarta Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura. Às dezessete horas e vinte e três minutos, constatada a exis­tência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão Solene destinada à entregar o Titulo Honorifico de Cidadão de Porto Alegre ao Senhor Paulo Reglus Freire, concedido através do Projeto de Lei do Legislativo n° 164/90 (Processo n° 2379/90), de autoria do Vereador Décio Schauren. A seguir, o Senhor Presidente convidou os Líderes de Ban­cada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Vereador Airto Ferronato, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Senhor Paulo Reglus Neves Freire, Homenageado; Senhora Ana Maria Araújo Freire, esposa do Homenageado; Senhor Olívio Dutra, Prefeito Muni­cipal de Porto Alegre; Senhora Judith Dutra, Primeira Dama do Município de Porto Alegre; Deputado Estadual Flávio Koutzii, representando o Presidente da Assembléia Legislativa; Senhora Esther Pillar Grossi, Secretária Municipal de Educação e o Vereador Décio Schauren, Secretário “ad hoc”. Como extensão da Mesa: Doutor José Ottmar Goettert, representando o Delegado do MEC; Senhora Mansa Timmsari, Coordenadora da Unidade de Educação e Cultura da FAMURS; Doutor Hélio Corbelini, Secretário do Governo Municipal; Deputado Antônio Maragon; Doutor José Carlos Mello D’Ávila, Presidente da EPATUR e Jornalista Firmino de Sá Cardoso, representando a Associação Riograndense de Imprensa. Em continuidade, o Senhor Presidente disse da satisfação de estar presidindo esta Sessão Solene e convidou a todos para ouvirem, de pé, o Hino Nacional. Após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Décio Schauren, proponente e em nome das Bancadas do PT, PDT, PMDB, PTB, PPS e PL saudou os presentes e disse da alegria de estar, naquele momento, prestando homenagem ao educador Paulo Freire. Do reconhecimento desta Cidade a contribuição extraordinária dada ao Brasil e à humanidade na área da educação. Suas obras são reconhecidas e admiradas mundialmente. Não se pode falar em educação sem citar o nome de Paulo Freire. A seguir, o Senhor Presidente registrou o recebimento de correspondência referente ao evento passando-as ao Homenageado. O Vereador Gert Schinke, em nome da Bancada do PV, pronunciou-se acerca da presente homenagem, dizendo ser o reconhecimento de Porto Alegre pelo trabalho desenvolvido pelo educador Paulo Freire e que era mais que justa esta homenagem. A seguir, o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Professor Celso Marques que prestou sua homenagem ao Senhor Paulo Freire. Na ocasião, o Senhor Presi­dente registrou a presença, no Plenário do Senhor Selvino Heck Presidente Regional do PT e convidou os presentes para assisti­rem, de pé, a entrega do Diploma ao Homenageado pelo Senhor Olívio Dutra, bem como da medalha pelo Vereador Décio Schauren. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Professor Pau­lo Freire que agradeceu a homenagem prestada pela Casa. Na ocasião, o Senhor Presidente registrou a presença, no Plenário,da Senhora Madalena Freire, filha do Homenageado. A seguir o Se­nhor Presidente agradeceu a presença de todos e, nada mais ha­vendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezoito horas e vinte e cinco minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Airto Ferronato e secreta­riados pelo Vereador Décio Schauren, secretário “ad hoc”. Do que eu, Décio Schauren, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assina­da pelos Senhores Presidente e 1° Secretário.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Convidamos a todos para que, de pé, ouçamos o Hino Nacional.

 

(Execução do Hino Nacional.)

 

Nós vamos conceder a palavra ao Vereador proponente desta Sessão Solene, o Ver. Décio Schauren, que fala em nome da sua Bancada o PT, o PDT, o PMDB, o PTB, PPS e PL.

 

O SR. DÉCIO SCHAUREN: (Menciona os componentes da Mesa.) Companheiro Paulo Freire:

Neste momento o recebemos de braços abertos como Cidadão de Porto Alegre. É uma grande alegria tê-lo conosco.

Acredito que todos o que vieram aqui hoje já foram cativados por suas idéias, pela sua teoria do conhecimento, pelos seus valores éticos e políticos. Mas, o contato direto nos trouxe novas surpresas, como o seu jeito simples, a sua humildade de homem que jamais se deixou tomar pela fama.

Quero frisar que esta homenagem não é apenas a entrega de mais um título de Cidadão de Porto Alegre. Até porque tenho discordado de alguns colegas desta Casa que, no afã de dar títulos, contribuem para sua vulgarização. Escolhi Paulo Freire para receber a única homenagem do meu mandato. Entendo ser este título um símbolo do reconhecimento desta Cidade à contribuição extraordinária que este pernambucano tem dado as Brasil e à humanidade na área da Educação.

A obra de Paulo Freire é conhecida e admirada em todo o mundo, tendo sido traduzida para dezenas de idiomas. Paulo Freire contribuiu pessoalmente, como educador, com vários países do mundo. Infelizmente, o reconhecimento na sua pátria ainda está longe de corresponder à importância da sua obra. Salta aos olhos a brutal indiferença da maior parte dos órgãos governamentais em relação a nossa personalidade maior da Educação. Por isso, a entrega deste título também é uma espécie de desagravo.

Porto Alegre recebe Paulo Freire como cidadão num momento especial. Num momento em que a Secretaria Municipal da Educação, dirigida pela companheira Esther Grossi, realiza uma experiência com resultados extraordinários nas nossas escolas. Experiência esta fundada na concepção pedagógica construtivista, nascida das contribuições do tripé Piaget, Emília Ferreiro e Paulo Freire. Este trabalho, diga-se de passagem, já recebeu o reconhecimento internacional da UNICEF.

Com a presença de Paulo Freire (e amanhã também de Madalena Freire, sua filha e pedagoga de renome internacional) queremos "jogar mais lenha na fogueira" do debate da questão didático-pedagógica em nosso Município.

Paulo Freire, como se costuma dizer, dispensa apresentações. Mas, vale a pena relembrar rapidamente algumas passagens da sua vida.

Paulo Freire aprendeu a ler com os pais à sombra das árvores do quintal da sua casa em Recife. O quadro-negro era o chão; o giz, os gravetos de mangueira. Como a maioria dos nordestinos, cedo conheceu o significado da fome e da miséria, só conseguindo entrar no ginásio aos 16 anos. Aos 20 anos ingressou na Faculdade de Direito. Chegou a se formar, mas a paixão pela Educação já o havia impregnado.

Depois de trabalhar oito anos como Diretor do Setor de Educação do SESI, participou do Movimento de Cultura Popular do Recife, nos anos 50. É a partir dessa experiência que elabora um novo método de alfabetização para adultos.

Paulo Freire chama a educação tradicional de "educação bancária" pois ela concebe os alunos como recipientes vazios, onde o Professor vai "depositar" conhecimentos e não estimula o educando. Pelo contrário, mata no educando a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade. Para Paulo Freire, "estudar não é um ato de consumir idéias, mas de criá-las e recriá-las".

As primeiras experiências do método começaram na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963, onde 300 trabalhadores rurais foram alfabetizados em 45 dias. O trabalho em Angicos ganhou divulgação nacional, quando o próprio Presidente João Goulart para lá se deslocou para assistir o término da experiência. Em conseqüência, o então Ministro da Educação, Darcy Ribeiro, convidou Paulo Freire para coordenar o Plano Nacional de Alfabetização. Mas, o golpe militar de 64 interrompeu bruscamente este projeto de superação do analfabetismo no Brasil.

Em junho de 1964, Paulo Freire estava preso no 14° Regimento de Infantaria de Recife. Motivo da prisão: o método de alfabetização por ele desenvolvido, considerado subversivo pelos militares.

Depois de dois meses e meio de prisão e interrogatório, cansado de ficar sob rigorosa vigilância e, sobretudo, de não poder fazer o que sabia fazer, deixa o Brasil e parte para os seus quinze anos de exílio. Perdia o Brasil, ganhava o mundo.

A primeira e rápida parada foi na Bolívia. Depois Paulo Freire vai, então, para o Chile, onde trabalha na formulação do Plano de Educação em Massa e na Universidade Católica de Santiago, além de ser consultor da UNESCO.

É nesta primeira fase do exílio que escreve os seus livros mais conhecidos: "Educação como Prática da Liberdade" e "Pedagogia do Oprimido". Em 1969, trabalha na Universidade de Harvard onde escreve o livro "Ação Cultural para a Liberdade" que se contrapõe à invasão cultural imperialista.

Em 1970 segue para Genebra, para trabalhar no Conselho Mundial de Igrejas. A partir de então, numa segunda fase do exílio, européia e africana, a teoria e a prática pedagógica de Paulo Freire ganham dimensão mundial. Trabalha com programas de alfabetização e Educação em vários países, como São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Angola, Tanzânia, Austrália, Itália, Índia e Nicarágua, entre outros.

Em julho de 1979 retorna definitivamente ao País dizendo, simplesmente: "Vim reaprender o Brasil". Em 1980, após uma grande mobilização de alunos e professores, passa a ser Professor da Universidade de Campinas. Trabalha, também, no Programa de Estudos Pós-Graduado da PUC de São Paulo. Em 86 recebe o Prêmio da UNESCO de Educação para a Paz. É somente em 87, entretanto, que consegue sua reintegração como professor na Universidade Federal de Recife, reparando-se, assim, uma injustiça histórica cometida pelo golpe de 64. É em 87, também, que o educador norte-americano Donald Macedo levanta seis mil títulos, entre livros e artigos, sobre Paulo Freire, somente em língua inglesa.

Durante dois anos e meio, Paulo Freire foi Secretário de Educação do Município de São Paulo, no governo Luiza Erundina, tendo implantado as diretrizes básicas de um programa revolucionário no ensino, que estão sendo implementadas hoje por seu substituto.

Paulo Freire está preparando cuidadosamente um novo livro que é uma espécie de releitura da Pedagogia do Oprimido. Entrevistado recentemente pela Revista Teoria e Debate, Paulo afirmou que "dizer as coisas de novo é tão importante quanto escrever coisas ainda não ditas." Também foi nesta entrevista que Paulo Freire, um socialista confesso, recusou o discurso neoliberal que sugere a morte de Marx. Disse Paulo Freire: "Eu recuso este discurso porque meu sonho e a minha utopia têm que estar absolutamente vivos. Acho que nunca tivemos na História um momento mais cheio de possibilidades, de esperança e de sonho do que esse, em que se esfacelou, diante de nossos olhos estupefatos, um modelo que escondia mentiras e que agora exige de nós a invenção real do socialismo, dentro de uma moldura democrática.”

É impossível falar rapidamente sobre a vida de Paulo Freire. Até porque ele é um educador o tempo todo, que não separa a prática da teoria, fazendo de sua própria vida uma grande aula. Indiscutivelmente, não há como falar em Educação, sem falar em Paulo Freire. O reconhecimento internacional, o respeito, o carinho e a admiração pela vida e obra de Paulo Freire em todas as partes do mundo, sua importância extraordinária no campo da alfabetização, são os motivos para que a Câmara Municipal, com orgulho, torne este "cidadão do mundo, um "Cidadão de Porto Alegre".

Companheiro Paulo, obrigado por estar conosco.

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa registra o recebimento das correspondências cumprimentando o homenageado, Professor Paulo Freire e acusando a impossibilidade de comparecer neste ato, o Dep. Marcelo Mincarone, a Professora Mila Cauduro, Secretária da Cultura do Estado, do Dep. Carlos Cardinal, Secretário da Agricultura e Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul; Cel. Marco Antonio de Oliveira Vasconcelos, Chefe do estado Maior da 3ª Região Militar, os quais passamos às mãos do homenageado. Registramos também as presenças, neste ato, dos Ver. João Motta, Giovani Gregol, José Valdir, Artur Zanella e Clovis Ilgenfritz.

Concedemos a palavra ao Ver. Gert Schinke.

 

O SR. GERT SCHINKE: (Menciona os componentes da Mesa.) Para mim, realmente, é um motivo de imenso orgulho e satisfação poder me dirigir aos senhores que assistem esta Sessão, que só vem orgulhar a Câmara Municipal de Porto Alegre e o Município de Porto Alegre, quando da entrega do Título de Cidadão a este grande companheiro de lutas, Paulo Freire. Eu não vou me estender muito, pois seria uma redundância em cima das colocações do Ver. Décio Schauren. Vim até muito mais aqui para escutar o que tem a dizer o companheiro Paulo Freire, como eu já tive oportunidade de fazê-lo em outras situações. É inestimável a contribuição do trabalho de pesquisa e elaboração da Teoria de Educação do companheiro Paulo Freire. Essa homenagem é mais que justa, e eu, igualmente, também assim como o Ver. Décio Schauren, ao longo do meu mandato apenas indiquei para títulos honoríficos, nesta Câmara Municipal, 4 ou 5 pessoas no máximo. Acho que este título engrandece a Câmara Municipal e a Cidade de Porto Alegre. Lembro da figura de Paulo Freire quando eu participei da 1ª Brigada Brasileira, que foi colher café em Nicarágua, em 86, onde a figura, o nome de Paulo Freire estava constantemente no debate e nas rodas entre os companheiros internacionalistas que lá acorriam para se solidarizar com a revolução nicaragüense. Uma das figuras mais lembradas, tanto quanto as dos comandantes da revolução era a figura do companheiro Paulo Freire, e isto nos trazia um grande orgulho, porque era um companheiro brasileiro. Nesse processo vale a pena lembrar a contribuição que Paulo Freire deu à revolução nicaragüense, que se consubstanciou, através da sua colaboração, na cruzada nacional de alfabetização, com todos os seus desdobramentos, que levaram a um enorme progresso cultural, a uma verdadeira revolução na educação na Nicarágua.

Apenas cito isto como exemplo, de tantas outras situações, em que a figura e o trabalho de Paulo Freire trouxeram resultados inestimáveis: a transformação social, cultural e política da civilização contemporânea.

Resta-me, então, desejar os meus mais sinceros votos de homenagem à figura do mestre, do pedagogo, do cidadão Paulo Freire que é simples, e que nunca deixou de ser. Num momento em que no nosso país se abate, como nunca, uma imensa crise ética, moral e política, entendo que a homenagem a Paulo Freire, é antes de tudo e acima de tudo a homenagem à cidadania, a homenagem à transformação social. De parabéns Paulo Freire, mas de parabéns a Câmara Municipal de Porto Alegre e a Cidade de Porto Alegre por homenageá-lo. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos, também, a presença, no Plenário, do Presidente Regional do PT, Selvino Heck.

Convidamos o Professor Celso Marques, presidente da AGAPAN para prestar uma homenagem ao Professor Paulo Freire.

 

O SR. CELSO MARQUES: Professor Paulo Freire. Eu, na qualidade de professor, há anos, na medida das minhas possibilidades, venho tentando inspiração em muitas das suas idéias. E talvez a minha maior homenagem, posso dizer, é o fato de eu tentar adotar o seu método. Mas há vários anos também fiz um poema e este poema, intitulado Homenagem a Paulo Freire, eu o estava guardando para numa oportunidade entregar-lhe, em meu nome pessoal. Falei sobre o mesmo à professora Esther Pillar Grossi, há algum tempo atrás, mostrei o poema, e ela me colocou de sobreaviso de que seria esta a ocasião, a oportunidade na qual eu iria fazer esta minha modesta homenagem à sua pessoa, à sua obra. Faço isto em meu nome pessoal e certamente em nome das pessoas que estão aqui para homenageá-lo. Então eu vou entregar ao senhor este poema e queria também manifestar a minha grande satisfação por este momento. Muito obrigado. (Faz a entrega.) (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos a presença do Ver. Ervino Besson.

Convido a todos os presentes para, em pé, assistirmos à outorga do Título e Medalha ao nosso Homenageado.

O Sr. Prefeito fará a entrega do Título, e o Ver. Décio Schauren, autor da Proposição, a entrega da Medalha.

 

(São procedidas das entregas do Título e Medalha.) (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Professor Paulo Freire.

 

O SR. PAULO FREIRE: Minha gente toda que falou, minha gente que não falou mas está lá, minha gente que não falou mas está aí, minha gente que não falou mas que aplaudiu e que me trouxe o seu afeto, o seu querer-bem, o seu estímulo e a sua presença amiga.

Eu tenho umas ligações, eu acho que todo o mundo tem não sou eu só, é impossível ser gente sem, nas andanças pelo mundo, deixar de se apegar por uma razão ou por outra, às vezes, uma razão escondida não bem percebida. Mas o que é impossível é ser gente, andar, caminhar, parar, voltar, sem misteriosamente encontrar certas coisas que falam que dizem a gente de algo gostoso dentro da gente e que se encontra preso, ligado a pedaços de mundo. Não é possível. Eu tenho minhas experiências de mundo, eu tenho também minhas ruas especiais, eu tenho certas esquinas de mundo, eu tenho certas praças até certos edifícios, eu tenho muitos telhados que gosto de olhar e diante dos quais eu fico, às vezes, pensando, isto ocorre muito quando eu ando em Lisboa fico pensando nas torres, nos fins de vida, nos começos de existência nos amores que se desfazem e que começam também debaixo dos telhados das casas. Porto Alegre é uma cidade assim também, para mim, eu estive nesta cidade pela primeira vez quando inclusive fui apresentado a uma coisa que se chamava na época "Galeto al Primo Canto", não sei se ainda existe este negócio aqui nos restaurantes de Porto Alegre, com vinho verde, tinto, me deram um porre de galeto e vinho no dia seguinte precisei tomar injeção, mas eu estive aqui nos anos 50 e aqui eu fiz uma imensa amizade nesta terra, com esta terra e nesta terra. Eu criei em mim um grande querer bem e uma imensa admiração intelectual por um dos maiores homens deste País, que é filho desta terra do Rio Grande do Sul. E vejam que coincidência num fim de tarde que é hoje eu recebo um nome que a cidade me dá, um nome de cidadão, o título, o desejo de ser que eu também tinha, Cidadão desta cidade, e amanhã eu estarei no lançamento do segundo volume da obra deste grande brasileiro que é o porque homens como Fiori não passam, continuam. Fiori morreu e dialeticamente está vivo, eu sublinho a coincidência, hoje eu sou Cidadão desta cidade e amanhã estarei presente, possivelmente até sem falar, e falando só agora, já agora, no lançamento do segundo volume de sua obra. Minha relação com Porto Alegre começou com Ernani, com a minha admiração enorme. Um dia eu disse, aqui, nesta cidade, na frente dele, já enfermo, mas sem supor que morreria breve: "Há uma coisa que eu, de modo geral, não sou - e, de modo geral, nem sou de ninguém enquanto paciente, nem sou enquanto sujeito, - que é isso de mestre." Eu não tenho discípulos nem tenho muitos mestres, mas Ernani é um deles. Eu nunca esqueço das noites, das tardes, em Santiago, no nosso exílio, e do que eu aprendi com a sabedoria mansa, discreta, às vezes risonha, brincalhona, com a sabedoria de quem realmente sabe, do Ernani. Se vivo fosse, ele estaria aqui, não tenho dúvida nenhuma, para me abraçar, dizendo-me: "Eu sei que tu sempre foste desta cidade." Hoje, no momento em que a Câmara diz que eu sou e que a Câmara me dá o título de Cidadão, eu o recebo como um certificado que me diz o que eu já sabia e agradeço imensamente que ratifiquem o gosto que tinha de o ser. Se me perguntam - aliás, já me perguntaram hoje à tarde, em entrevista rápida - o que é que eu sinto quando sou paciente de situações como esta, a minha resposta é muito simples, quando uma pessoa é homenageada, quando uma pessoa é reconhecida por alguma coisa que fez e sofre a festa do reconhecimento, se esta pessoa dizer que passa mal, que não gosta, que seria melhor que não tivesse dado esse lindo poema, esta obra de arte, que os Vereadores que falaram não tivessem dito as coisas que disseram, isto é mentira, ou enfermidade. E eu sou sadio e não minto. Gosto muito destas coisas.

(Palmas.)

Agora repetiria outro homem enorme deste País a quem admiro,  quero muito bem, que é Darcy Ribeiro diz: puxa Paulinho, uma vaidadezinha até que não faz mal a ninguém.

Evidentemente que não faz, a vaidade é uma coisa que está defendida, um direito natural. Agora o que não pode é ultrapassar o limite do bom senso. Onde a vaidade começa a ferir os limites, daí não dá mais, você anda na rua e já está tocando com sua vaidade 3 metros em torno de você, aí não dá, tem que parar, porque já começou a ser doente. Mas, uma vaidade bem comportada, essa vaidade que apenas significa o gosto de ter feito alguma coisa válida.

Fico é feliz prá burro com isto. Faz dez dias que recebi um doutoramento "honoris causa" em Boston e fiquei muito contente, também. Não tem por que não ficar. Isto não me transforma no dono da verdade, em dono do mundo. Porque, inclusive, sobretudo, essas festas tem outro lado sobre o qual sempre falo. Essas festas resultam de um reconhecimento que se faz, que se vive, de uma determinada coisa que aquele que recebe a festa fez. Mas, da mesma forma que foi reconhecido pode amanhã ser desconhecido. Isso vai depender de mim mesmo, é de como eu continue a viver. Porque é possível que eu me extrapole de tal maneira e me desande de tal maneira que desmereça a festa de hoje.

Eu quero, porém, na presença da minha mulher e da minha filha, que está aqui, eu quero prometer a vocês que eu não vou fazer coisa nenhuma que desmereça o gesto desta Casa e desta Cidade.

Para terminar eu diria a todos e a todas que eu estou certo, de antemão, que ninguém veio aqui esperando que Paulo Freire fizesse um discurso pedagógico, uma espécie de aula de mestre de universidade. Estou certo de que ninguém está esperando isso, porque se alguém estivesse esperando isso eu ficaria um pouco triste, porque teria que decepcionar. Porque na verdade eu não teria o direito, e não tenho, de aproveitar uma oportunidade tão bonita como esta para agora, no meu nome e no nome dos meus dar um muito obrigado a esta Cidade, a esta Câmara pela homenagem que me prestam e dizer que saio daqui maior e saio daqui mais responsabilizado do que quando cheguei. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos a presença ainda na presente Sessão Solene da filha do nosso homenageado, Madalena Freire.

Senhoras e Senhores, como filho de professora que sou e professor, quero registrar a minha satisfação de ter conhecido pessoalmente o Prof. Paulo Freire e quero registrar que me sinto orgulhoso de presidir esta Sessão Solene.

Em nome da Câmara Municipal de Porto Alegre, nossos cumprimentos e parabéns ao homenageado e os agradecimentos a todos pela presença.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h25min.)

 

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